domingo, 17 de outubro de 2010

Brasil, uma nação pacífica?

Todo terceiro domingo do mês o culto da Igreja Quadrangular é dedicado à missões. Nem mesmo as ofertas ficam na igreja; elas são enviadas para a secretaria de missões, que mantém os pregadores nos mais diversos lugares do planeta. E nesse tipo de culto sempre há um tema, que é um país escolhido para receber as orações durante esse domingo. Hoje, o país escolhido foi o Paraguai. A reunião estava normal, apresentações sobre o país, as coisas todas, até que, durante uma canção, um pastor começa a contar um pouco da história do Paraguai. Todo mundo que já foi lá sabe que o povo não é, de fato, dos mais bonitos (e aqui no Paraná é comum o pessoal ir a Ciudad del Este fazer compras, como nós fazemos com o Chuí aí no Rio Grande), e esse pastor iniciou falando isso: por que as pessoas do paraguai parecem tão sujas? Por que eles parecem tão pobres? Você sabia que o Brasil tem culpa nisso?
Os meus amigos mais próximos sabem o quão patriota eu sou. No momento em que ele falou isso, já me remexi na cadeira. Ele começou a contar a história da Guerra do Paraguai e repetir todo aquele discurso que ouvimos na escola, de que foi um ato covarde do Brasil e que estavamos sendo manipulados pela Inglaterra. A história, entretanto, vai além disso. Essa guerra aconteceu no final do século XIX. Naquela época, a Inglatera já estava se estabelecendo como potência econômica (já havia acontecido a Revolução Industrial por lá) e possuia, de fato, certa influência na América do Sul. A Alemanha, a fim de ampliar seu mercado, resolve financiar o desenvolvimento de uma nação do nosso continente - justamente o Paraguai - transferindo não só recursos como dinheiro em espécie. E o tal desenvolvimento estava acontecendo. O paraguai, que já era uma república (embora sob uma ditadura), era também um centro econômico, militar e cultural no continente, rivalizando até mesmo com os EUA. Trazendo para os nossos dias, o Paraguai era uma espécie de Suíça sul-americana, mas com um excelente exército. De fato, o medo inglês acerca da evolução paraguaia e, consequentemente, do crescimento alemão pode ter influenciado a guerra - lembremos que o Brasil, à época, já detinha uma dívida com a Inglaterra, contraída por um empréstimo feito para pagar indenização a Portugal pela independência - mas isso pode ter sido, apenas, a gota d'água.
O que me parece é que a guerra, na verdade, foi muito mais relacionada à uma questão de liderança e influência no continente. Um ano antes do início dos conflitos, o Império brasileiro enviou seu exército para acabar com uma guerra civil no Uruguai e devolver a paz ao pequeno país (perceba que é a mesma coisa que os EUA fazem hoje e que tanto criticamos). Enfim, tal intervenção teve êxito e o Brasil colocou um presidente colorado (partido uruguaio, não o time rsrs) no poder em Montevideo. O Paraguai tinha medo que o Império do Brasil e a Argentina, os dois maiores países da região, quisessem dominar os países menores. Além disso, o país queria garantir, via Uruguai, seu acesso ao oceano Atlântico.
Partindo disso, o presidente paraguaio - que já vinha adquirindo material bélico há muito tempo, meio que 'prevendo' um confronto armado -, e aqui a gente pode ver que o Brasil não é tão vilão como dizem por aí, ordena que seu exército invada o Mato Grosso. Ou seja, foi o próprio Paraguai quem iniciou a guerra que, cinco anos mais tarde, deixaria o país completamente devastado. Eles contavam com o apoio da Argentina, o que não aconteceu. Os hermanos vieram para o lado do Brasil e do Uruguai, formando a Tríplice Aliança.
Essa aliança foi mais política do que militar, o que já derruba a história do "três contra um é covardia". O Brasil enviou 200 mil soldados para a guerra, mais de 85% do contingente total dos aliados. Argentina e Uruguai, juntos, enviaram cerca de 35 mil, apenas. Ainda assim o Paraguai sustentou a guerra por cinco anos, o que deixa claro a potência que o país era. Mas não podemos ignorar que o Brasil só conseguiu enviar todos esses soldados em função do tamanho continental do nosso país. Historiadores estimam que o Brasil possuia 20 milhões de habitantes à época, enquanto o Paraguai tinha cerca de 500 mil. O Império enviou vários escravos para o conflito, e promoveu também uma campanha incentivando o alistamento militar. Daí surgiram os 'voluntários da pátria', expressão que dá nome a ruas em várias cidades do nosso país.
O saldo da guerra foi uma derrota épica para os adversários. O Paraguai perdeu 300 mil pessoas, entre soldados e civis. Além disso, 40% do território paraguaio foi anexado pelo Brasil e pela Argentina.
Que fique claro que eu não estou tentando justificar o conflito. Em uma guerra nunca há vencedores ou perdedores, apenas sobreviventes. Mas não podemos ser levianos ao afirmar que o Brasil foi o grande vilão da história, como o pastor que originou esse post gigantesco falou. Não sou a favor dos inúmeros genocídios feitos pelo exército brasileiro (matando, inclusive, crianças). Tampouco acredito que possamos justificar a devastação que causamos no Paraguai. Temos, sim, uma dívida para com os paraguaios, mas é uma dívida moral. Usando uma analogia, devemos ter vergonha se nosso pai, mesmo estando certo, agride outra pessoa em uma discussão de trânsito, porque sabemos que as coisas não se resolvem assim. Mas não dá para jogar toda a culpa do atual atraso paraguaio no Brasil. A guerra foi a culpada, e a culpa da guerra é de ambas as partes, provavelmente até mais paraguaia do que brasileira.

Um comentário:

  1. Cristian, favor ler o quanto antes, Maldita Guerra,o magistral, esclarecedor e pricipalmente IMPARCIAL,livro de Francisco Doratioto, Guerra do Paraguai, Maldita Guerra! estou seguro que seu ponto de vista sobre este polêmico tema, mudará subtancialmente em alguns aspectos; como o meu mudou !!

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